Era sábado em 1987. Eu estava perplexa e nostálgica a olhar
as sapatilhas que há anos não me serviam mais.
Eu já fui contida e contente, carregava em mim o estômago dum
passarinho filhote. Infelizmente me tornei um cão ansioso, e muito comilão,
assim o pesadelo começou.
Gosto de almoçar na casa da avó Marta, lá posso comer o que quiser, na hora que quiser. Embora eu tenha perdido o corpo de bailarina e já estar acima do peso, ela diz que devo
comer bastante, sem beira. Ela acha que um dia vou parir à beça e por isso preciso de
gordura suficiente para suprir os culotes e todas essas coisas biológicas.
Então, cá estou
comendo pela segunda vez e meia o cardápio do almoço; macarrão, maionese,
frango assado com farofa e azeitonas. Me lambuzo inteira, o óleo da comida me
completa. Até chegar à sobremesa. Poxa, como eu gosto das sobremesas. Na hora
que avó grita “Olha a sobremesa” eu posso ouvir ” Olha essa surpresa”, apesar
de não ser surpresa, pois, eram sempre as mesmas nos domingos; aquela gelatina
colorida, o pote de sorvete, e o pudim. Eu moraria naquele pudim, um mundo de
pudim. Eu, a rainha do pudim.
Os meses vão, as roupas vão, os domingos na avó Marta apenas
chegam, e os quilos também. Mas não pense que eu só como na casa da avó. Adoro
comer em casa, escondida. Pelo menos, adorava. Até a mãe colocar cadeados nos
armários das guloseimas e até nos das comidas. Ela quer começar a ser severa e limitada.
Mas logo agora, mãe? Que me tornei essa típica gorda, suada
e com dobrinhas?
Ela diz que estou doente, meu colesterol aumentou e a
arritmia também.
Os dias, as horas passam, e tudo se transforma numa batalha,
na qual estou começando a ter coragem de vencer. A mãe me colocou na academia,
mas quando não quero ir porque tenho que estudar, ela diz que continuo a gorda
preguiçosa, e às vezes quando quer me fazer chorar, repete centenas de vezes
que cheiro a gordura. Imagino que o meu cheiro é o mesmo dos bolinhos de chuva
da tia Célia. Meu coração dói.
Começo levar tudo muito a serio, perdi quilos na academia,
perdi mais quilos naquele mundaréu de alfaces perdidos no prato. Estou ficando
magra, minha vida também. Agora cheiro a flores. Tudo está ficando leve e muito fino. Minhas
roupas, agora, são tamanho infantil, meu pé emagreceu e já não tenho sapatilhas
que se ajustem ao meu número de calçado.
A avó Marta está desesperada, enche os olhinhos de água
quando me vê rejeitar a sobremesa ou comer um pedaço de frango e ir direto ao
banheiro. Ela diz “Como você está miúda, Lua”.
Pelo meu manequim 34, minha altura 1,65 acompanhada do meu
peso 38, não posso mais dançar Ballet, a médica me contou que meus ossos estão
fracos, minha imunidade baixa e não tenho mais forças nos meus braços e nas
minhas pernas. Apesar dos pesares e da luta constante contra a vontade de poder
comer meus chocolates e as minhas coxinhas de frango, não vou ganhar peso, pois,
não quero mais cheirar a gordura.
Hoje é sábado em 1987... E que saudade das minhas sapatilhas.